Parece que foi ontem. A caminho de casa, após mais um dia na escola, notei que uma loja de usados por onde sempre passava estava com um novo modelo à venda. Na tradicional combinação vermelho + couro caramelo, uma Ferrari 355 GTS parecia brilhar mais do que os outros carros. Após admirá-la por longos minutos, fui abordado pelo vendedor: “Você quer vê-la melhor?” Após a resposta afirmativa, ele abriu o esportivo e me deixou sentar no banco do motorista. Pude saber, finalmente, como era dirigir uma Ferrari. Ok, somente nos meus sonhos. Nem o motor fui autorizado a ligar. Mas por alguns segundos me esqueci de tudo. Era só eu e a Ferrari.
Doze anos depois, estou de frente para a Ferrari 458 Italia, o mais novo lançamento da marca. Após ver meus olhos fitando a bela carroceria desenhada pelo estúdio Pininfarina, o vendedor da importadora independente Só Veículos me entrega a chave do carro sob um alerta: “Tenha cuidado com ela!”. A combinação vermelho + couro caramelo se repete, assim como a autorização para me sentar no banco do motorista. Um adorável diferencial: agora posso dirigi-la.
Doze anos depois, estou de frente para a Ferrari 458 Italia, o mais novo lançamento da marca. Após ver meus olhos fitando a bela carroceria desenhada pelo estúdio Pininfarina, o vendedor da importadora independente Só Veículos me entrega a chave do carro sob um alerta: “Tenha cuidado com ela!”. A combinação vermelho + couro caramelo se repete, assim como a autorização para me sentar no banco do motorista. Um adorável diferencial: agora posso dirigi-la.
Terceira unidade do modelo importada pela Só Veículos, a 458 Italia foi gentilmente cedida pela loja para esta avaliação exclusiva do WebMotors. O test-drive seria curto e cercado de precauções, que incluíram um segurança particular. Não é à toa: o modelo está à venda por R$ 1.590.000. Curiosamente, um valor abaixo do sugerido pela Via Itália, representante oficial da marca no Brasil que prevê a chegada da 458 Italia nos próximos meses.
Optei por não calcular por quantos anos precisaria trabalhar caso algo desse errado nem quanto tempo me restava no test-drive. Ao invés disso, procurei olhar com atenção cada detalhe desta Ferrari.
Rosso Corsa
A carroceria está com o desenho mais agressivo do que nunca. As entradas e saídas de ar foram posicionadas para garantir a aderência aerodinâmica e um bom arrefecimento sem transformar a dianteira em um queijo suíço. O desenho é tão limpo que os dois spoilers na parte inferior quase somem nas fotos. Um detalhe: herdadas da Fórmula 1, essas peças são flexíveis, abaixando-se em altas velocidades para melhorar a aerodinâmica da 458 Italia. E ainda tem gente que não considera mais a categoria um laboratório de ideias.
Na lateral, as chapas parecem ter sido esculpidas pelo vento – incluindo a maçaneta, embutida na carroceria. A vista de perfil da 458 Italia comprovou o que pareceu ilusão há mais de uma década: o “vermelho corrida” (rosso corsa, em italiano) realmente brilha mais do que os outros carros.
A traseira carrega as tradicionais lanternas redondas, agora com LEDs. O extrator de ar é discreto – uma prova de que um carro bem projetado pode abrir mão de apêndices de gosto discutível que reinam nas feiras de acessórios e tuning. Abaixo da placa, um escapamento triplo parece quebrar a tradição das quatro ponteiras usadas em outros modelos. Nem tanto: outro modelo a adotar os três escapes foi a clássica Ferrari F40.
Abaixando-se próximo da traseira da 458 Italia, é possível notar que o escapamento central, de diâmetro menor, possui uma válvula bloqueando parcialmente os gases. A peça, de acionamento eletrônico, ajuda no fluxo dos gases e, por tabela, oferece um ronco de timbre que varia do grave para o agudo, de acordo com a rotação.
Demorei para falar do som, mas vou me explicar: é difícil descrever como é o ouvir 570 cavalos de um V8 Ferrari. Palavras não faltam nas tentativas: sensacional, fantástico, monstruoso, nervoso.
Sem hastes
Abro as portas e o claro interior acarpetado dá a impressão de se tratar de um sedã de luxo alemão. Porém, as duas telas de cristal líquido no painel lembram-me que estou em uma Ferrari 458 Italia. O conta-giros analógico é o único instrumento “real” - outros mostradores são meras imagens nas telas de LCD – e mostra o fôlego do V8 de 4,5 litros. Não é pouco: a faixa vermelha começa nos 9.000 rpm.
Há regulagem elétrica do banco, retrovisores e volante, mas as alterações são desnecessárias: estou em harmonia com o carro, e a metáfora de “vestir” o esportivo nunca me pareceu tão adequada.
Com os olhos e as mãos, observo os comandos ao meu alcance. Não fico surpreso quando vejo que absolutamente todos os botões, chaves e alavancas são facilmente acionados. A 458 Italia é feita para agradar ao motorista, e não tem vergonha de mostrar isso. Para não atrapalhar a pilotagem, a Ferrari removeu todas as hastes da coluna de direção. Acionamento do motor, setas, faróis, limpadores do para-brisas, ajuste do controle de tração e amortecedor, está tudo no volante, junto com o botão da buzina. Esta, aliás, tem um tom menos agudo, fugindo do padrão da Ferrari.
Atrás do volante, as já comuns borboletas para trocas de marcha. Mas na 458 Italia elas também fogem da rotina: você verá os paddles shift em toda 458 vendida. Esta é a primeira Ferrari de linha a não contar com opção de câmbio manual. Mas, acredite: isso não é um defeito.
Felipe Massa
Ao ligar o carro, o ronco do V8 parece ignorar a divisão de acrílico entre o cofre do motor e a cabine. Um leve empurrão no acelerador de alumínio (material também usado na carroceria) chama a atenção de pedestres e motoristas que passam nos arredores. Um deles brinca, me chamando de Felipe Massa.Minha aparência está longe de ser similar a do piloto brasileiro, mas a 458 Italia tem alguns pontos em comuns com os monopostos da Scuderia Ferrari. Um dos que me chamou a atenção foi a direção absurdamente direta: são duas voltas de batente a batente. Vire o volante 360º para a esquerda e a 458 Italia está pronta para sair da vaga. É ótimo para manobrar (ainda mais com o sensor de estacionamento ligado), mas a relação direta tem como principal função tornar o carro mais ágil nos autódromos.
Outro componente voltado para o uso em pistas é o amortecedor de rigidez variável. O funcionamento envolve partículas de metal imersas no óleo e eletroímãs, mas é fácil resumir: aperte um botão e sua coluna conseguirá saber o valor de uma moeda que a Ferrari passar por cima.
Desliguei a função assim que passei por uma pequena tartaruga na rua – cuja sensação pareceu que eu estava atropelando um daqueles répteis gigantes de Galápagos. Após isso, a suspensão independente nas quatro rodas absorvia as irregularidades do asfalto brasileiro como um sedã de luxo.
Bem, não estava dirigindo um Audi ou um BMW, então uma puxada na borboleta esquerda reduziu uma das sete marchas e acordou os 570 cv, que empurraram a 458 Italia mais rápido do que jamais acelerei, enquanto as marchas eram trocadas quase que instantaneamente. Segundo a Ferrari, são 60 milissegundos gastos nas mudanças. Mais rápido do que qualquer ser humano. Não pudemos fazer medições, mas não tenho a menor dúvida de que este Ferrari pode, de fato, acelerar de 0 a 100 km/h em 3,4 segundos. A velocidade máxima de 325 km/h também não me parece inatingível, mas não há autódromo no Brasil capaz de comportar esta velocidade.
Chega a hora de fazer o retorno na avenida. Não chego nem à metade do curso do pedal do freio e a 458 Italia já está pronta para fazer a volta de 180º. A direção tem resposta sobrehumana, e o carro completa a curva com a facilidade de um carrinho de autorama.
Uma luz vermelha no painel avisa que o passeio chegou ao fim. A reserva de combustível foi acionada, e não foi por causa do meu test-drive: por estar exposta na loja, a Ferrari não foi abastecida antes da avaliação.
Estaciono o carro e entrego a chave ao funcionário da Só Veículos, agradecendo: “Esperei doze anos por isso”. Ele não entendeu minha frase, mas percebeu que meu sorriso resumia todas as sensações que tive neste passeio.
Escapismo
Sento na redação e tento voltar ao mundo real. Aquela manhã de sábado me parece eterna, com a Ferrari me oferecendo sensações que jamais poderei descrever totalmente a alguém. Dentro da 458 Italia, o mundo fica de fora, e nada mais importa, a não ser dirigir esta obra de arte italiana.E, na verdade, é isso que a Ferrari faz. Como uma máquina de teletransporte, ela te tira do seu mundo, dos seus problemas, e te leva para um lugar só seu, onde tudo é possível. Claro, o carro tem ausências estranhas, como vidros elétricos sem a opção de um-toque. Mas quem está disposto a gastar mais de um milhão e meio de reais não está preocupado com isso. Esta pessoa busca uma forma de escapar por alguns instantes de seu mundo, ela quer se dar ao breve direito de ser egoísta e buscar pelo mais puro prazer solitário. E isso, acredite: uma Ferrari faz melhor do que ninguém – seja há doze anos ou em 2010.
Fonte: Rodrigo Ribeiro - WebMotors
Optei por não calcular por quantos anos precisaria trabalhar caso algo desse errado nem quanto tempo me restava no test-drive. Ao invés disso, procurei olhar com atenção cada detalhe desta Ferrari.
Rosso Corsa
A carroceria está com o desenho mais agressivo do que nunca. As entradas e saídas de ar foram posicionadas para garantir a aderência aerodinâmica e um bom arrefecimento sem transformar a dianteira em um queijo suíço. O desenho é tão limpo que os dois spoilers na parte inferior quase somem nas fotos. Um detalhe: herdadas da Fórmula 1, essas peças são flexíveis, abaixando-se em altas velocidades para melhorar a aerodinâmica da 458 Italia. E ainda tem gente que não considera mais a categoria um laboratório de ideias.
Na lateral, as chapas parecem ter sido esculpidas pelo vento – incluindo a maçaneta, embutida na carroceria. A vista de perfil da 458 Italia comprovou o que pareceu ilusão há mais de uma década: o “vermelho corrida” (rosso corsa, em italiano) realmente brilha mais do que os outros carros.
A traseira carrega as tradicionais lanternas redondas, agora com LEDs. O extrator de ar é discreto – uma prova de que um carro bem projetado pode abrir mão de apêndices de gosto discutível que reinam nas feiras de acessórios e tuning. Abaixo da placa, um escapamento triplo parece quebrar a tradição das quatro ponteiras usadas em outros modelos. Nem tanto: outro modelo a adotar os três escapes foi a clássica Ferrari F40.
Abaixando-se próximo da traseira da 458 Italia, é possível notar que o escapamento central, de diâmetro menor, possui uma válvula bloqueando parcialmente os gases. A peça, de acionamento eletrônico, ajuda no fluxo dos gases e, por tabela, oferece um ronco de timbre que varia do grave para o agudo, de acordo com a rotação.
Demorei para falar do som, mas vou me explicar: é difícil descrever como é o ouvir 570 cavalos de um V8 Ferrari. Palavras não faltam nas tentativas: sensacional, fantástico, monstruoso, nervoso.
Sem hastes
Abro as portas e o claro interior acarpetado dá a impressão de se tratar de um sedã de luxo alemão. Porém, as duas telas de cristal líquido no painel lembram-me que estou em uma Ferrari 458 Italia. O conta-giros analógico é o único instrumento “real” - outros mostradores são meras imagens nas telas de LCD – e mostra o fôlego do V8 de 4,5 litros. Não é pouco: a faixa vermelha começa nos 9.000 rpm.
Há regulagem elétrica do banco, retrovisores e volante, mas as alterações são desnecessárias: estou em harmonia com o carro, e a metáfora de “vestir” o esportivo nunca me pareceu tão adequada.
Com os olhos e as mãos, observo os comandos ao meu alcance. Não fico surpreso quando vejo que absolutamente todos os botões, chaves e alavancas são facilmente acionados. A 458 Italia é feita para agradar ao motorista, e não tem vergonha de mostrar isso. Para não atrapalhar a pilotagem, a Ferrari removeu todas as hastes da coluna de direção. Acionamento do motor, setas, faróis, limpadores do para-brisas, ajuste do controle de tração e amortecedor, está tudo no volante, junto com o botão da buzina. Esta, aliás, tem um tom menos agudo, fugindo do padrão da Ferrari.
Atrás do volante, as já comuns borboletas para trocas de marcha. Mas na 458 Italia elas também fogem da rotina: você verá os paddles shift em toda 458 vendida. Esta é a primeira Ferrari de linha a não contar com opção de câmbio manual. Mas, acredite: isso não é um defeito.
Felipe Massa
Ao ligar o carro, o ronco do V8 parece ignorar a divisão de acrílico entre o cofre do motor e a cabine. Um leve empurrão no acelerador de alumínio (material também usado na carroceria) chama a atenção de pedestres e motoristas que passam nos arredores. Um deles brinca, me chamando de Felipe Massa.Minha aparência está longe de ser similar a do piloto brasileiro, mas a 458 Italia tem alguns pontos em comuns com os monopostos da Scuderia Ferrari. Um dos que me chamou a atenção foi a direção absurdamente direta: são duas voltas de batente a batente. Vire o volante 360º para a esquerda e a 458 Italia está pronta para sair da vaga. É ótimo para manobrar (ainda mais com o sensor de estacionamento ligado), mas a relação direta tem como principal função tornar o carro mais ágil nos autódromos.
Outro componente voltado para o uso em pistas é o amortecedor de rigidez variável. O funcionamento envolve partículas de metal imersas no óleo e eletroímãs, mas é fácil resumir: aperte um botão e sua coluna conseguirá saber o valor de uma moeda que a Ferrari passar por cima.
Desliguei a função assim que passei por uma pequena tartaruga na rua – cuja sensação pareceu que eu estava atropelando um daqueles répteis gigantes de Galápagos. Após isso, a suspensão independente nas quatro rodas absorvia as irregularidades do asfalto brasileiro como um sedã de luxo.
Bem, não estava dirigindo um Audi ou um BMW, então uma puxada na borboleta esquerda reduziu uma das sete marchas e acordou os 570 cv, que empurraram a 458 Italia mais rápido do que jamais acelerei, enquanto as marchas eram trocadas quase que instantaneamente. Segundo a Ferrari, são 60 milissegundos gastos nas mudanças. Mais rápido do que qualquer ser humano. Não pudemos fazer medições, mas não tenho a menor dúvida de que este Ferrari pode, de fato, acelerar de 0 a 100 km/h em 3,4 segundos. A velocidade máxima de 325 km/h também não me parece inatingível, mas não há autódromo no Brasil capaz de comportar esta velocidade.
Chega a hora de fazer o retorno na avenida. Não chego nem à metade do curso do pedal do freio e a 458 Italia já está pronta para fazer a volta de 180º. A direção tem resposta sobrehumana, e o carro completa a curva com a facilidade de um carrinho de autorama.
Uma luz vermelha no painel avisa que o passeio chegou ao fim. A reserva de combustível foi acionada, e não foi por causa do meu test-drive: por estar exposta na loja, a Ferrari não foi abastecida antes da avaliação.
Estaciono o carro e entrego a chave ao funcionário da Só Veículos, agradecendo: “Esperei doze anos por isso”. Ele não entendeu minha frase, mas percebeu que meu sorriso resumia todas as sensações que tive neste passeio.
Escapismo
Sento na redação e tento voltar ao mundo real. Aquela manhã de sábado me parece eterna, com a Ferrari me oferecendo sensações que jamais poderei descrever totalmente a alguém. Dentro da 458 Italia, o mundo fica de fora, e nada mais importa, a não ser dirigir esta obra de arte italiana.E, na verdade, é isso que a Ferrari faz. Como uma máquina de teletransporte, ela te tira do seu mundo, dos seus problemas, e te leva para um lugar só seu, onde tudo é possível. Claro, o carro tem ausências estranhas, como vidros elétricos sem a opção de um-toque. Mas quem está disposto a gastar mais de um milhão e meio de reais não está preocupado com isso. Esta pessoa busca uma forma de escapar por alguns instantes de seu mundo, ela quer se dar ao breve direito de ser egoísta e buscar pelo mais puro prazer solitário. E isso, acredite: uma Ferrari faz melhor do que ninguém – seja há doze anos ou em 2010.
Fonte: Rodrigo Ribeiro - WebMotors
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